O segredo do silêncio

Eu estou em silêncio, um profundo silêncio, que veio me inquietando nos últimos dias, tamanho era o zumbido que ele deixava nos meus pensamentos. Um oco, cheio de ecos, de quase frases, de pensamentos não ditos.

A inquietação durou até que eu achasse a origem do silêncio, de onde devo dizer não achava que seria capaz de encontrá-lo. O silêncio vinha do amor. Comumente o mais barulhento de todos os sentimentos, me deixou em silêncio.

Mas convenhamos que se considerarmos a inexplicabilidade e inexprimibilidade do amor, veremos que a maneira ideal de demonstrá-lo é em silêncio. Através daquele olhar condescendente, do toque inesperado, do movimento ritmado, do abraço sufocante que traduz a necessidade de estar o mais perto possível. Amor se percebe no leve tremor da voz quando dizemos o nome de quem amamos. Era pra ser apenas mais um nome, mas não é, é uma outra forma de dizer “meu amor”,  um orgulho que temos centrado em outro ser, em estar com ele.

Então, me conformei com o meu silêncio. Ele ganhou sentido, motivo, significado. Um silêncio de muitas maneiras apreciativo… como perceber aquelas sutis mudanças se estivesse me dedicando mais a falar que a compreender? Como dizer alguma coisa, quando as vezes a melhor maneira de falar é não dizendo nada?

Faz sentido isso? Não sei dizer… Sei que quando eu penso “eu te amo” ele está carregado de todo esse silêncio contemplativo, está cheio de sentimentos que não consegui expressar, ideias que não soube descrever, sensações que não transformei em palavra, eu senti e senti, e contive.

Então eu estou guardando esse silêncio, fazendo dele um precioso segredo. Cultivando esse sentimento com cuidado, carinho e atenção. Ele é atualmente meu maior bem e não quero correr o risco de espanta-lo. E no tempo certo, quando transbordar, quando transpuser barreiras, serei capaz de fazer do silêncio som, nas três palavras mais batidas já ditas pela humanidade, e também nas mais bonitas.

Sobre ele

Ele tem um jeito todo diferente de falar, é um vocabulário novo com o qual eu tive que me entender na marra. Nós dois falamos dialetos distintos.

Ele é como uma daquelas passagens de livro, que a gente sublinha e guarda pra ficar relendo depois. Aí a gente cita, porque é bom demais pra deixar guardado.

Ele tem um jeito sossegado, meio desinteressado, pleno com tudo ao redor dele. Isso me acalma, desacelera um pouco meu turbilhão bagunçado.

Ele é fogo, que me acende, aquece e faz brilhar.

Ele respeita meu tempo. E eu nem imagino como isso deve ser difícil, porque é quase impossível me decifrar.

Ele é como uma daquelas músicas que a gente coloca pra repetir infinitamente, porque nunca parece que demos o valor suficiente naquela vez em que estávamos ouvindo.

Ele alega nunca saber o que está na minha cabeça, o que é uma besteira, porque na maior parte do tempo é ele mesmo. E também porque ele parece me entender perfeitamente.

Ele é o tipo de pessoa que faz a sua vida ser dividida em antes e depois.

Ele se importa com as pessoas, do jeitinho dele. Mesmo que não sinta saudades, ele se preocupa, uma preocupação genuína, que eu não vejo em todo mundo por aí.

Ele da uma piscadinha que faz meu coração acelerar e eu perder o ritmo da respiração.
Ele foi capaz de me dar um eixo, e agora as coisas parecem no lugar.

Ele é único e me tem inteira.

A noite

Era uma noite perfeita, não poderia se dizer mais ou menos dela. Havia uma brisa gélida correndo, que parecia abraçar cada uma das coisas ao redor, como se quisesse mantê-las juntas, íntegras. Naquela brisa fria era possível se sentir completamente confortável, ela era a dona daquela noite e a estava compartilhando com quem quisesse aproveitar.

Havia a luz tênue da lua. Como eu disse, aquela noite pertencia a brisa gelada, a própria lua reconhecia isso e não pretendia competir com ela. Mas estava lá, no auge de sua humildade, iluminando suavemente a noite, com seu toque leve, aveludado, mais antigo que a própria vida. A lua, tão cheia de poder, também estava sendo generosa e cedendo o seu brilho para a noite.

O céu estava limpo, não havia nuvens, havia, no entanto, um número estarrecedor de estrelas. Elas estavam lá como pequenos furos no tecido que era aquela imensidão arroxeada. Eu não sei ler as estrelas, mas se eu soubesse, tenho certeza que elas estariam contando um número infindável de histórias, quase tantas quantas as próprias estrelas daquele céu.

E lá também estava presente o silêncio. Um silêncio tão profundo que quase chegava a ser barulhento. Se alguém estivesse prestando atenção, teria percebido que havia desprendimento também naquele silêncio. Ele estava presente pra que cada coisa, no fundo de sua natureza, pudesse se ouvir. Ele era tão impenetrável que o mundo estava suspenso, como naquele pequeno intervalo, entre a inspiração e a expiração, em que tudo fica pausado, esperando o próximo acontecimento.

E por fim, havia aquela mulher. Diante de toda a grandiosidade da brisa, da lua, das estrelas e do silêncio, ela se sentia minúscula, desprezível, insignificante. Mal sabia ela que todas aquelas coisas a apreciavam porque ela as estava apreciando de volta. Ela estava sentada sozinha, na madrugada avançada, experimentando uma sensação que levaria muito tempo pra voltar a experimentar… no turbilhão de pensamentos que a inundavam, havia semanas, meses, anos, ela encontrou um momento de quietude, ela encontrou o suspiro do tempo.

O tempo, que naquela noite tão perfeita decidiu parar, ainda que por alguns segundos, se dando a chance de apreciar ao invés de apenas passar.

Os anos

Talvez eu só esteja muito emotiva e nada disso tenha sentido, mas espero que não seja o caso, porque estou bem cansada de não entender o que está acontecendo, justamente por conta das minhas emoções bagunçadas. Hoje eu tenho esperanças de que, apesar de tudo, eu esteja seguindo uma linha de raciocínio coerente.

Passei as últimas semanas tentando descobrir onde as coisas começaram a dar errado. E eu voltei no tempo, e continuei voltando, e fui mais um pouco ainda. Voltei seis anos. Sendo bem sincera, eu esperava ter encontrado o erro antes, me decepciona notar que eu levei seis longos anos pra perceber que as coisas estavam tomando rumos bastante equivocados.

Eu não considero que tive uma adolescência conturbada, principalmente porque fui uma daquelas pessoas cheias de convicções fortes demais para serem corretas quando vindas de uma pessoa com tão pouca experiência de qualquer coisa. É um palpite, mas acho que quando você é obrigado pelos pais a estar em casa às dez da noite, conhecimento consistente de vida não é uma coisa que você adquire. De uma maneira ou de outra, pelo bem ou pelo mal, essas convicções me ajudaram um pouco a passar por essa fase cheia de dúvidas com um pouco menos de desespero. Foi ali, dos 14 aos 18, eu sabia o que eu queria, quem eu era, ponto final.

Ser solta no mundo de verdade foi que começou a bagunçar as coisas, até ali eu tava só tirando pequenas provas da vida. É uma comparação meio ridícula, mas sinto que até os 18 eu tava jogando aquela versão free, e depois eu comprei o jogo e percebi que, porra, tinha muito mais coisa pra fazer que eu nem tinha me dado conta. Foi mais ou menos nessa época que as minhas convicções me abandonaram, eu deixei de ser um copo cheio e deixei as experiências me ensinarem.

Aos 18 eu cometi meu primeiro erro sério. Eu mudei quem eu era por alguém. Não sei, as pessoas por aí falam sobre esse assunto como se fosse realmente muito nobre, como se fosse o esperado você mudar por alguém. Atualmente, não acho que seja. Eu entendo as concessões que fazemos pra estar com alguém, entendo a ideia de se adequar. Mudar não, as pessoas são o que são, e se não podem estar ao lado de alguém por isso, então elas realmente não deveriam estar lá.

Então sim, ao 18 eu mudei. Eu me deixei ser emocionalmente dependente de alguém. Até aquele momento eu era inteira, e me sentia completa comigo mesma, tão completa que na maior parte do tempo eu não queria ninguém se intrometendo nos meus assuntos. Eu não entendia a solidão até então. E aí, porque o cara por quem eu estava apaixonada era o sujeito mais carente que a humanidade já conheceu, eu mudei. Ele não estava feliz comigo, porque eu dificilmente me dispunha a estar com ele. E eu já tinha tentado não estar com ele algumas vezes, também não rolava, foi aí que eu pensei que talvez o erro estivesse em mim.

É muito fácil depender de alguém. Nossa! É absurdamente fácil. Eu doei tudo de mim pra ele, cada segundo que eu tinha livre era dele. Aí ele decidiu que estava sufocado, é, pode rir. Foi desse jeito que eu descobri que não adianta você mudar por ninguém. Foi desse jeito também que eu descobri a solidão. Eu descobri que a solidão é um estado de espírito, ultrapassa o sentido físico da palavra, porque quando você se sente verdadeiramente só, não importa quantas pessoas estejam ao seu redor. E quando ele saiu da minha vida, foi assim que eu me senti, total e completamente abandonada. Provavelmente foi mais aterrador porque no meio do caminho eu perdi um pedaço de mim, de quem eu era. Eu estava só porque também estava sem eu mesma. Guarde isso! Passaram seis anos, eu ainda não estou completamente curada disso. Se você decidir mudar por alguém, pense muito bem no tamanho da violência que está cometendo contra você, porque a gente sempre se recupera de perder alguém, a vida é assim mesmo, mas pra se recuperar de perder a você mesmo… Isso é um processo lento e doloroso.

Pra reparar esse erro, eu cometi um bem mais longo, um que durou quatro anos. Eu procurei alguém pra afugentar a solidão, eu me agarrei a isso com muita força. Mas as vezes se agarrar a uma coisa não quer dizer perseverança, quer dizer teimosia. Eu vou ser muito sincera aqui, o amor que eu sentia era grande demais, eu não entendia, não sabia lidar, até hoje eu não sei, mas agora eu pelo menos entendo. Amar demais uma pessoa que não te faz bem é nocivo, te corrói por dentro. Porque eu sabia que tava tudo errado, eu sabia que não era pra ser difícil daquele jeito, que não era pra eu sofrer tanto, não era pra eu ter que me esforçar tanto.

Foi nessa época que eu descobri um segundo tipo de solidão. Estar só dentro de um relacionamento. Isso é mais que um estado de espírito, é um fardo que você carrega o tempo todo, porque você percebe que ninguém pode preencher o que falta em você, e mais, percebe que estar com uma pessoa e ter uma pessoa que seja sua companheira são coisas completamente diferentes. E eu passei anos tentando compensar isso. Eu quis fazer qualquer coisa pra compensar o que me faltava, porque eu tinha quase certeza que era pro amor ser suficiente.

Passei os últimos dois anos batendo cabeça nessa confusão. Eu esbarrei com um monte de gente que queria ocupar o espaço que ele não ocupava. Mas no fundo, mesmo que ele não tomasse como dele aquele lugar, ele o pertencia, e ninguém jamais conseguiria toma-lo, não enquanto eu não abrisse mão de guarda-lo com tanta força. Foram dois anos absurdamente difíceis. Eu abusei de mim, do que eu sentia, do que eu era capaz, do que eu podia. Na verdade, eu descobri que eu podia qualquer coisa que eu quisesse. E eu me joguei de cabeça.

Eu tive a sensação de estar conquistando o mundo, mas na verdade era só o mundo me engolindo mesmo.

Não mais.

Nos últimos cinco meses eu finalmente decidi que era hora de colocar um fim naquilo tudo. Sabe o amor? Ele não é suficiente, nem de longe.

Eu saí disso tudo cheia de cicatrizes, aliás, eu ainda tenho várias feridas abertas. E só eu sei quanto dano eu causei também, em um monte de gente. “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” e eu vou te dizer, eu fui bem negligente com o que eu cativei.

O saldo geral dos últimos seis anos computa: eu perdi uma parte de mim, eu dei partes de mim, eu me magoei, eu magoei de volta, eu cometi um monte de erros, eu tenho um monte de culpa com a qual lidar. Mas mais importante que tudo, eu cresci e amadureci.

Saí dessa confusão toda tendo aprendido a me respeitar, a me amar, a pensar um pouco antes de agir, eu reaprendi como estar só, sem me sentir sozinha. E com o tempo eu vou recuperando aquele brilho de uns anos atrás, afinal, como dizem, não há mal que sempre dure.

As pessoas andam me perguntando se eu sinto a sua falta, se eu sinto falta de estar namorando. A resposta pra segunda vem fácil, não, eu não sinto. Acho que fiquei traumatizada, acho que o nosso relacionamento foi muito nocivo pra mim, e agora eu tenho um pouco de medo de me entregar daquela forma à alguém. Então não, eu não sinto falta. A verdade é que se passaram oito anos sem que eu estivesse solteira, acho que preciso disso, preciso aprender a estar sozinha e a apreciar a minha própria companhia.

A resposta da primeira é tão mais complicada. Eu acho que eu não sinto, e acho que isso é porque eu senti sua falta por tempo demais enquanto estávamos juntos. Eu sentia a sua falta quando estávamos lado a lado e você estava dando atenção pra uma tela qualquer, fosse do seu celular, do seu tablet ou do seu computador. Eu sentia sua falta quando você achava que só conversar comigo não era suficiente pra prender toda a sua atenção.

Eu sentia a sua falta quando mandava uma mensagem e você levava mil anos pra me responder. Eu sentia a sua falta quando você me dizia que se eu estivesse em uma saída sua com os seus amigos, então não seria tão bom. Eu sentia a sua falta quando te pedia pra fazer passeios comigo que você fazia tão facilmente quando era do seu interesse, mas não quando era o meu.

Eu sentia a sua falta e todas as vezes que eu saia com os meus amigos e você não queria ir, em todas as vezes que eu estava com a minha família e você não queria ir. Eu sentia a sua falta quando você, que pegava o celular de manhã assim que acordava, era incapaz de me dar um “bom dia”.

Principalmente, eu senti sua falta nas únicas duas vezes que eu não respeitei o fato de que você odeia falar no telefone, porque eu estava precisando tanto de você, porque eu tinha acabado de viver situações horrorosas, mas você não me atendeu, pior que isso, você brigou comigo por ter ligado, nas duas ocasiões.

Acho que eu senti tanto a sua falta em todos esses anos, que agora nem sinto mais. Eu fui aprendendo a viver sem você, cada dia mais, até que um dia, eu só sabia viver sem contar contigo mesmo.

Parece que eu estou sendo escrota agora, parece que eu não dava nenhum valor pra todas as coisas que você fazia por mim. Mas eu dava, eu dava tanto, e reconhecia tanto o quanto você tentava que eu continuei ali, me convencendo que era suficiente, que aquilo tudo estava me consumindo todos os dias um pouquinho mais era maravilhoso. Eu me contentei com as migalhas que você me deu, porque eu sabia que aquilo era tudo que você podia me dar.

E isso me leva a segunda parte desse texto todo, que já está enorme, mas parece que eu sempre tenho tantas coisas pra dizer sobre isso, eu não consigo ficar quieta. Eu vivo dizendo que queria me desculpar por tudo, e eu nunca digo que tal tudo é esse, então aqui vai.

Eu queria dizer que sinto muito por ter demorado tanto tempo pra aceitar que nós acabamos, que não tinha mais jeito. Eu sinto muito por ter repetido incansavelmente que te amava demais, que te amava tanto que não podia sair do que nós tinhamos. Eu sinto muito por ter usado esse amor, essa dependência pra justificar o que eu estava fazendo.

Eu sinto muito por ter passado a mão na sua cabeça por tanto tempo, eu sinto muito por não ter te dito mais vezes que você estava doente, eu sinto muito por não ter insistido mais pra você ir pra terapia, eu sinto muito por não ter te pedido mais vezes pra ir num psiquiatra. Eu sinto muito por ter deixado você ir se afundando da forma que eu te vi se afundar.

Eu sinto muito por ter te visto mudar tanto e não fazer nada sobre isso. Eu sinto muito por nunca ter conseguido conquistar um lugar de confiança na sua vida, por mais que você sempre dissesse que eu tinha, no fundo, nós dois sabemos que não. Eu sinto muito por ter deixado as minhas dores, as minhas decepções se tornarem a única coisa entre nós.

Eu sinto muito pelo estrago que eu causei, por você ter descoberto as coisas de um jeito tão horrível. Eu sinto muito por ter sumido logo depois, mas eu juro, eu achei que esse era o melhor jeito. Eu sinto muito por ainda estar em silêncio, mas ainda acho que esse é o melhor, senão o único jeito. Eu sinto muito pelo que eu fiz.

Eu sinto muito por ter te tirado da minha vida, eu fui fazendo isso sem perceber, eu fui não te contando mais, eu fui guardando tudo pra mim. Eu não te disse como eu estava deprimida enquanto estávamos juntos, eu não te disse que fumava todos os dias pra esquecer, não te disse que bebia pra esquecer.

Eu sinto muito por não ter te dado a chance de consertar as coisas, mas isso foi só porque eu já tinha te dado tantas chances, tantas que eu nem conseguia mais dar nenhuma.

Mas principalmente, eu sinto muito por ter precisado chegar no fim da linha, pra aceitar que não dava mais. Eu sinto muito por não ter deixado tudo como estava na primeira vez que terminamos. Eu sinto muito pelo que você disse ter se tornado realidade, “vamos terminar antes que o amor se torne ódio”, e afinal, se tornou.